Budapeste - Chico Buarque
(O processo de amadurecimento de um romancista)
Ao terminar a leitura de Budapeste, terceiro romance escrito por Chico Buarque (os dois primeiros foram Estorvo, de 1991 e Benjamin, de 1995), o leitor menos leigo é tomado por uma estranha sensação e um impasse: bom ou ruim? Não é o caso de emitir um juízo de valor sistemático e maniqueísta, classificando a obra de boa, ruim ou medíocre, mas se trata sim de uma postura impressionista inerente a qualquer leitor, do mais leigo ao mais erudito; de emitir, nem que seja para si mesmo, uma opinião sobre o livro, de um simples gostei, não gostei, sem motivos, a uma análise de forma ensaística.
É sem dúvida muito difícil taxar o romance de Chico Buarque de ruim, diria até mesmo o contrário, pois somos levados a acreditar que acabamos de ler um bom livro, uma obra realmente acima da média. Contudo, a sensação estranha e polarizante do bom ou ruim, permanece. Por quê? Acredito que tenho uma resposta, ou pelo menos a tentativa de uma, para essa pergunta. Depois de vasculhar cuidadosamente essa estranha sensação que me ficou após a, diria agradável, leitura do romance, concluí que fui, ou pelo menos tentaram, me ludibriar ou pior, o próprio autor se ludibriou. Agora, um pouco mais distante, temporalmente falando (24 horas após ler a última página), das primeiras sensações causadas pela leitura, tenho a nítida impressão que o autor escreveu seu romance com um manual do lado, que era constantemente consultado. O livro está repleto de clichês cuidadosamente maquiados, que vão desde a forma estilística (a quase ausência de pontuação - excetuando o ponto e vírgula -, e a não marcação dos diálogos com as formas usuais de traço ou aspas, como era característico de seu amigo pessoal, José Saramago), até a temática do homem atormentado vagando por belas cidades do mundo (em perfeita consonância com o processo de globalização da literatura e o pós- modernismo).
O livro se enquadra perfeitamente, diria até que como uma luva, a atual boa literatura que se faz no Brasil: uma literatura pós-moderna, mas que traz vários elementos do modernismo. Em Chico Buarque, como escritor, encontramos quase sempre, assim como em Sérgio Sant’anna, Bernardo Carvalho, João Gilberto Noll, Luiz Ruffato, Milton Hatoum (esse sem dúvida o melhor deles), só para citar alguns, os principais elementos dessa literatura: a narrativa fragmentada, a não linearidade temporal, a contraposição entre o local e o global (os personagens trafegam com igual desenvoltura tanto pelas ruas de São Paulo e Rio de Janeiro, quanto pelas ruas de Paris, Nova Deli ou Budapeste), o inacabado, e a preocupação com a forma, principalmente em desenvolver uma forma que seja original e que explore as várias possibilidades da língua portuguesa.
Em Budapeste percebemos vários desses elementos, porém não de forma natural, pois a voz de seu narrador se torna quase inaudível em meio a tantas referências, seja de nossa própria literatura, seja de literaturas contemporâneas alhures. Budapeste padece de falta de identidade, pois seu autor, na ânsia de criar uma obra autêntica e de qualidade, anula sua voz em nome da voz corrente da literatura contemporâneo de viés pós-moderno.
Contudo, não pensem aqueles que ainda não leram o romance, que irão se deparar com um Frankenstein literário, uma colagem de estilos de vários outros autores. Não. O livro busca, em cada página, encontrar sua identidade própria, mas infelizmente não consegue, por isso deixa essa impressão desagradável de pastiche, não de outra obra específica, ou do estilo de outro autor, mas de uma tendência de toda uma geração de escritores. Os autores já citados anteriormente, apesar de seguirem essa voz corrente da literatura contemporânea, encontraram seu espaço, deram uma identidade à sua obra, um tom que as distingue na multidão do universo literário. Chico Buarque, neste terceiro romance, ainda não havia encontrado seu tom (sem trocadilho), mas se aproximava a cada livro. Budapeste é um romance mais bem acabado e desenvolvido do que os dois anteriores. Nos anos seguintes, Chico continua seu processo evolutivo como romancista, nos dando Leite Derramado, em 2009, e finalmente Irmão Alemão, em 2014, onde vemos um romancista maduro e detentor de uma voz própria e original.
Não poderíamos encerrar este texto sem dizer que a leitura de Budapeste vale o tempo despendido, pois ali temos a palavra bem trabalhada e uma história que teria tudo para ser muito original, se não fosse os pontos que já assinalamos aqui. E é bom esclarecer que há tiros que se aproximam muito mais do alvo do que outros. Budapeste foi um desses tiros. Uma fase no processo de calibragem literária de Chico Buarque, que como já dissemos, não demorou muitos anos mais para se tornar um romancista pleno e amadurecido.
(Tomamos como base a 2° edição, 2° reimpressão, datada de 2003 e lançada pela Companhia das Letras, do romance Budapeste, escrito por Chico Buarque.)
Excelente resenha, percebi que gostei do livro mas fiquei com essa sensação teimosa de querer enquadrá-lo em caixinhas de "bom" ou "ruim". No fim das contas acho que foi uma experiência positiva mas não foi algo livre de críticas também. Mas entendo a sua crítica e acho pertinente.
(Faço resenhas com ilustrações em instagram.com/ogatodomago :-P)
Obrigado Wellington. Sem dúvida o compositor Chico Buarque elevou bastante o sarrafo para o escritor Chico Buarque. Mas com o tempo e o passar dos livros ele conseguiu na literatura atingir o mesmo nível do compositor.
Parabéns, Nelson, pela análise. Belo texto. Talvez o "problema" do escritor Chico Buarque seja o compositor Chico Buarque. O sarrafo já começa bem mais alto no caso dele.
Parabéns, Nelson, pela análise. Belo texto. Talvez o "problema" do escritor Chico Buarque seja o compositor Chico Buarque. O sarrafo já começa bem mais alto no caso dele.
Despertou curiosidade... 👍😉