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A INOCÊNCIA DO PADRE BROWN




A INOCÊNCIA DO PADRE BROWN

G. K. Chesterton


(O padre-detetive e a busca da redenção da alma humana)

É quase impossível falar do pequeno, rechonchudo e simplório Padre Brown sem levar para a mesma discussão seu criador, G.K. Chesterton, que em contraposição com seu “padrezinho” de aparência discreta e humilde, era um homem grande, gordo e espalhafatoso, com aproximadamente 135 quilos distribuídos em pouco mais de 1:90 de altura. Uma figura que preenchia o ambiente com sua presença física e sua personalidade expansiva. Era também um grande conversador e polemista, um homem que dedicou sua vida à arte, às ciências humanas e à religião. Sua obra conta com dezenas de livros, entre romances, contos, ensaios, poemas, peças e textos teológicos e filosóficos. A figura do simpático padre-detetive é indissociável da conversão de seu criador ao catolicismo – um divisor de águas em sua vida. Chesterton era inglês, nascido em 1874 na cidade de Londres. Criado e crescido dentro da igreja anglicana, seu cristianismo sempre foi um fator determinante em sua vida. Até que no início da década de vinte converteu-se ao catolicismo. Hoje Chesterton é uma referência nos estudos teológicos em todo o mundo. Seus textos são estudados e sociedades em torno de sua teologia filosófica são criadas. Aqui mesmo no Brasil existe a sociedade Chesterton Brasil, que se dedica em discutir seus textos religiosos e divulgar sua obra.




Esse pequeno preâmbulo acerca do autor tem como objetivo esclarecer alguns pontos marcantes de seu personagem. O próprio Chesterton disse uma vez que a figura do Padre Brown foi explicitamente inspirada em um padre que o autor conheceu e que foi fundamental para sua conversão ao catolicismo. Nos doze contos que compõem o livro (o autor publicou mais algumas coletâneas de contos com o seu famoso personagem – A inocência d Padre Brown é o primeiro deles), fica claro para o leitor que o autor inglês utiliza-se de se padre-detetive para expor, de uma forma mais simples e acessível para o grande público - fazendo uso do, já popular na época, gênero policial -, seus posicionamentos cristãos e humanitários.


O aparentemente ingênuo Padre Brown é um “detetive”, poderíamos dizer, um tanto quanto diferente de seus famosos pares literários, como Sherlock Holmes, Hercule Poirot, dentre outros. O padre-detetive quase nunca necessita analisar pistas, usar lupas, interrogar de forma peremptória seus suspeitos, subir em muros, usar armas ou se envolver em qualquer tipo de violência física para encontrar seu culpado. Nosso personagem utiliza-se quase que tão somente de seu profundo conhecimento da alma humana para, sentado quietamente em um canto – geralmente enquanto seu amigo, o detetive particular e ex-criminoso convertido pelo próprio Padre Brown, Flambeau, quebra a cabeça para encontrar alguma lógica naquele crime tão estranho –, solucionar o caso com uma espécie de insight. O grande diferencial do personagem de Chesterton em relação aos outros famosos detetives analíticos da literatura, é que Brown se vale quase sempre de sua análise da triste e perversa alma humana (alma essa que ele conhece a fundo, após ouvir milhares e milhares de confissões e descobrir o que o existe de mais sórdido no ser humano), para desvendar os casos. Brown parte de uma surda e profunda análise da alma dos suspeitos, através de suas falas, gestos, comportamentos, etc, para chegar até as evidências que provem sua culpa.


Apesar das tramas serem, na maioria das vezes, brilhantemente intrincadas e com soluções não menos geniais, como em “Os estranhos passos”, onde o Padre Brown descobre o criminoso apenas analisando os passos que ouve no corredor, do outro lado da porta; em “O jardim secreto”, meu preferido, onde o Padre Brown compreende, antes de todos, a presença de um cadáver impossível e duas cabeças; em “A honra de Israel Gow” (escolhida pela revista Bravo como um dos 100 melhores contos da história da literatura); ou em “A forma errada”, onde o formato errado de uma folha de papel (aqui a pista precede a análise da alma humana) desencadeia uma série de raciocínios que o faz descobrir o criminoso. Mas como ia dizendo, antes de ser grossamente interrompido por mim mesmo, apesar das complexas tramas e soluções, o principal para Chesterton e seu padreco é a redenção da alma humana. Brown, em muitos dos contos, permite que o criminoso vá embora, dando a ele a possibilidade de se arrepender de seu crime, de seu pecado, e de não conseguindo conviver com a culpa, se entregar e se redimir, como em “O malho de Deus” ou em “A forma errada”, em que ele induz o criminoso a lhe escrever uma confissão:


“Ao fazer isso aconteceu o fato extraordinário. A natureza desertou-me. Senti-me mal. Senti-me como se estivesse feito alguma coisa errada. Acho que minha cabeça vai explodir; sinto uma espécie de prazer desesperado ao pensar que contei o fato a alguém: que não terei de ficar sozinho com isso se me casar e tiver filhos. Que é que há comigo?... loucura... ou é possível alguém ter remorso como se estivéssemos nas poesias de Byron?”


Chesterton utiliza-se de seu padre para fazer dezenas e dezenas de digressões filosóficas e teológicas no decorrer de seus contos, como por exemplo quando o criminoso, em “O molho de Deus”, lhe pergunta: “Como pode saber de tudo isso? O senhor é o demônio? – sou um homem – respondeu o Padre Brown, gravemente – e, por conseguinte, trago todos os demônios no coração.” Ou essa longa digressão, mas que acreditamos valer a pena sua reprodução aqui, por ser uma ótima amostragem da profunda filosofia teológico-cristã que fundamenta as deduções detetivescas do padre, que sempre parte de um princípio cristão e o desenvolve de maneira filosófica em conjunção com o perscrutar das atormentadas almas humanas:


“ - Meu amigo – disse finalmente -, este caso é muito esquisito. Muito esquisito mesmo.

- Eu também acho – concordou Flambeau, com uma espécie de estremecimento.

- Você o acha esquisito e eu o acho esquisito e, não obstante, significamos coisas completamente opostas. A mente moderna mistura ideias diferentes, mistério no sentido do que é maravilhoso e mistério no sentido do que é complicado. Aí está a dificuldade sobre milagres. O milagre é surpreendente, mas é simples. É simples por que é milagre. É o poder que vem exatamente de Deus, ou do Demônio, em vez de indiretamente através da natureza ou da vontade humana. Ora, você quer dizer que esse negócio é maravilhoso, por que é miraculoso, por que é feitiçaria de um indiano. Compreenda, eu não digo que não seja espiritual ou diabólico. Só o Céu e o inferno sabem por quais influências circunstantes estranhos pecados entram na vida dos homens. Mas, no momento, meu ponto de vista é que, se isso for pura magia, como você pensa, então é maravilhoso; mas não é misterioso, isto é, não é complicado. A qualidade de um milagre é misteriosa, mas sua maneira é simples. Ora, a maneira desse negócio tem sido o contrário do simples.”


É realmente um prazer acompanhar as andanças do Padre Brown, quase sempre acompanhado de seu amigo Flambeau, pelas ruas de Londres e pelas pequenas cidades da Inglaterra. Esses cenários são panos de fundo que tornam a leitura deste pequeno livro de contos ainda mais agradável. Muitas vezes nos compadecemos do crédulo Padre Brown, que busca salvar as almas humanas que lhe cabem, e para isso busca desvendar os mistérios, mesmo sabendo que “o grande medo que as pessoas têm de procurar a verdade, é de encontrá-la.” O que o abate, mas não o desestimula a procurar essa verdade, e de dar uma chance a essas almas atormentadas pelo crime, de se redimirem aos olhos de Deus.

(A edição utilizada como base para o texto acima foi a da editora Record (s/d), com tradução de Edilson Alkmin Cunha e já esgotada. Há uma edição mais recente da L&PM que pode ser encontrada nas livrarias. Também há disponível no mercado uma caixa com os contos completos do Padre Brown, lançado através de uma parceria entre a Sociedade Chesterton Brasil com as Edições Hugo de São Vítor.)

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4 comentários


Wellington
08 de out. de 2020

Mais um pra lista! E com um ingrediente a mais: adoro contos! Valeu, Nelson!

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Nelson Ricardo Guedes dos Reis
Nelson Ricardo Guedes dos Reis
25 de jul. de 2020

rsrsr... ótima observação Max! Nunca é tão fácil...mas sempre prazerosa essa batalha. Obrigado a você Márcia por acompanhar o blog.

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Maximino lage
11 de jul. de 2020

rssss.... "Mas como ia dizendo, antes de ser grossamente interrompido por mim mesmo...." a eterna luta do autor e do leitor.....


Não conheço o livro, mas sim o autor. Interessei-me.

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marciatristao64
01 de jul. de 2020

Muito bacana esta análise e o tema do livro! Obrigada por estimular a leitura!

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